O
que é a síndrome de Rett?
A síndrome de
Rett é uma doença neurológica que afeta principalmente o sexo feminino
(aproximadamente 1 em cada 10.000 a 15.000 meninas nascidas vivas), em todos os
grupos étnicos.
Clinicamente é caracterizada pela perda progressiva das
funções neurológicas e motoras após um período de desenvolvimento aparentemente
normal, que vai de 6 a 18 meses de idade. Após esta idade, as habilidades
adquiridas (como fala, capacidade de andar e uso intencional das mãos) são
perdidas gradativamente e surgem as estereotipias manuais (movimentos
repetitivos e involuntários das mãos), que é característica marcante da doença. É comum que a criança
com Síndrome de Rett fique "molinha" e apresente desaceleração do
crescimento. Distúrbios respiratórios e do sono também são comuns,
especialmente entre os 2 e os 4 anos de idade. A partir dos 10 anos, o
aparecimento de escolioses e de rigidez muscular fazem com que muitas crianças
percam totalmente a mobilidade. Isso, associado a quadros mais ou menos graves
de deficiência intelectual.
A Síndrome de Rett é um Transtorno Global do Desenvolvimento
(TGD) e uma das principais
causas de deficiência múltipla em meninas.
Histórico
Em 1954, o
pediatra austríaco Andreas Rett (1924-1997) observou, na sala de espera de seu
consultório, duas pacientes sentadas lado a lado, que apresentavam sintomas bem
parecidos. Revisando os prontuários de seu consultório, verificou que havia
mais seis meninas semelhantes àquelas. Isto despertou nele o interesse em
estudar aquela doença neurológica e ele deu início à procura por pacientes que
apresentavam sintomas semelhantes.
Em 1966, Dr.
Rett publicou os resultados de seu estudo inicial sobre esta "nova"
doença e nos anos seguintes novos artigos sobre o assunto. Entretanto, seu
trabalho teve pouca repercussão, uma vez que seus artigos foram publicados em
revistas científicas em alemão.
Paralelamente, a
partir da década de 60, o médico sueco Dr. Bengt Hagberg ( nasc. 1923) iniciou
um estudo sobre suas pacientes que apresentavam sintomas semelhantes aos
descritos pelo Dr. Rett. Embora seus estudos estivessem sendo realizados de
forma independente, estes dois médicos haviam relatado a mesma doença e, em
1983, o Dr. Hagberg publicou o primeiro trabalho científico em inglês sobre
esta doença e a chamou de síndrome de Rett. A partir deste momento, a comunidade
científica de todo o mundo voltou suas atenções para a síndrome de Rett, na
tentativa de determinar sua causa.
Sintomas
O diagnóstico da
síndrome de Rett é baseado na avaliação clínica da paciente e deve ser feito
por um profissional habilitado para tal, como neurologistas e pediatras.
Este diagnóstico
é feito com base nos critérios diagnósticos estabelecidos, que consistem em:
·
Critérios
necessários (presentes em todas as
pacientes).
desenvolvimento pré-natal (antes
do nascimento) e perinatal (pouco tempo depois de nascer) aparentemente normal;
desenvolvimento psicomotor
normal até os 6 meses de idade;
perímetro cefálico
(circunferência da cabeça) normal ao nascimento;
desaceleração do perímetro
cefálico após 6 meses de idade;
perda do uso propositado das
mãos;
movimentos manuais
estereotipados (torcer, apertar, agitar, esfregar, bater palmas, "lavar as
mãos" ou levá-las à boca);
afastamento do convívio social,
perda de palavras aprendidas, prejuízos na compreensão, raciocínio e
comunicação.
·
Critérios de
suporte (presentes em algumas
pacientes):
distúrbios respiratórios em
vigília (hiperventilação, apneia, expulsão forçada de ar e saliva, aerofagia);
bruxismo (ranger os dentes);
distúrbios do sono;
tônus muscular anormal;
distúrbios vasomotores
periféricos (pés e mãos frios ou cianóticos);
cifose/escoliose progressiva;
retardo no crescimento;
pés e mãos pequenos e finos.
·
Critérios de
exclusão (ausentes nas pacientes):
órgãos aumentados
(organomegalia) ou outro sinal de doenças de depósito;
retinopatia, atrofia óptica e
catarata;
evidência de dano cerebral antes
ou após o nascimento;
presença de doença metabólica ou
outra doença neurológica progressiva;
doença neurológica resultante de
infecção grave ou trauma craniano.
Evolução
clínica.
De acordo com a
evolução e sintomas, a síndrome de Rett é classificada em duas formas:
1. clássica;
2. atípica.
Na forma
clássica, o quadro clínico evolui em quatro estágios definidos:
·
Estágio 1 - de 6
a 18 meses de idade.
ocorre desaceleração do
perímetro cefálico (reflexo do prejuízo no desenvolvimento do sistema nervoso
central);
alteração do tônus muscular (às
vezes parece "molinha");
a criança interage pouco (muitas
são descritas como crianças "calmas") e perde o interesse por
brinquedos.
Neste estágio,
os primeiros sintomas da doença estão surgindo, mas muitas vezes nem são
percebidos pelos pais (especialmente se são "marinheiros de primeira
viagem") ou pelos médicos (muitos deles desconhecem a síndrome de Rett).
·
Estágio 2 - de 2
a 4 anos de idade.
ocorre regressão do
desenvolvimento;
inicia-se a perda da fala e do
uso intencional das mãos, que é substituído pelas esteretipias manuais;
ocorrem também distúrbios
respiratórios, distúrbios do sono (acordam à noite com ataques de risos ou
gritos);
manifestações de comportamento
autístico.
·
Estágio 3 - de 4
a 10 anos de idade.
a regressão é severa neste
estágio e os problemas motores, crises convulsivas e escoliose são sintomas
marcantes.
há melhora no que diz respeito à
interação social e comunicação (o contato visual melhora), elas tornam-se mais
tranquilas e as características autísticas diminuem.
·
Estágio 4 - a
partir dos 10 anos de idade.
caracterizado pela redução da
mobilidade, neste estágio muitas pacientes perdem completamente a capacidade de
andar (estágio 4-A), embora algumas nunca tenham adquirido esta habilidade
(estágio 4-B);
escoliose, rigidez muscular e
distúrbios vasomotores periféricos são sintomas marcantes;
os movimentos manuais
involuntários diminuem em frequência e intensidade;
a puberdade ocorre na época
esperada na maioria das meninas.
Nas formas
atípicas, nem todos os sintomas estão presentes e os estágios clínicos podem
surgir em idade bem diferente da esperada.
Algumas doenças
neurológicas compartilham sintomas com a síndrome de Rett e isto pode
dificultar o diagnóstico clínico especialmente nos primeiros estágios da forma
clássica (ou no caso de formas atípicas). Quando os primeiros sintomas da
síndrome de Rett estão surgindo, muitas pacientes são diagnosticadas de forma
equivocada como autistas, por exemplo. É importante que os profissionais de
saúde estejam atualizados e conheçam sobre a síndrome de Rett para que sejam
capazes de realizar o diagnóstico diferencial. Uma vez que o diagnóstico
precoce facilita o estabelecimento de uma estratégia terapêutica adequada, a
INFORMAÇÃO É FUNDAMENTAL.
Embora ainda não
tenha sido descoberta a cura da síndrome de Rett, as pacientes que são
acompanhadas de forma adequada podem ter uma vida melhor e mais feliz. E TAMBÉM
VALE LEMBRAR: a síndrome de Rett não restringe a expectativa de vida das
pacientes.
Causa.
Como falamos no
título "Histórico da síndrome de Rett", após a década de 80 foi
iniciada a busca pela causa da síndrome de Rett. Várias hipóteses foram
propostas para explicar a doença, mas quando vários casos familiares (dentro da
mesma família) foram relatados, ficou claro que a doença tinha uma causa
genética.
Na
década de 90, os pesquisadores estiveram empenhados em descobrir então qual era
o gene (um ou vários?) e, no ano de 1999, a equipe chefiada pela Dra. Huda
Zoghbi descobriu que a síndrome de Rett é causada por mutações (alterações) em
um gene localizado no cromossomo X. Este gene, chamado MECP2 (do inglês methyl-CpG-binding
protein 2) - e que nós pronunciamos
"mec-pê-dois" - é um gene muito importante no controle do
funcionamento de outros genes, desde o desenvolvimento embrionário. Ele
codifica (produz) uma proteína (chamada MeCP2) que controla a expressão de
vários genes importantes para o desenvolvimento dos neurônios (ou seja, quando
e onde estes genes são expressos) em todos os vertebrados. Fazendo uma analogia
e simplificando (bastante), a MeCP2 funciona como um dimmer (aquele botão que
regula a intensidade da luz) e então podemos explicar a causa da síndrome de
Rett da seguinte forma: nas pacientes afetadas pela síndrome de Rett, a MeCP2
não é capaz de funcionar corretamente e todo o desenvolvimento dos neurônios do
embrião fica comprometido.
É importante
lembrar que mutações no DNA ocorrem em todas as nossa células, ao longo de
nossas vidas, todos os dias, sem que possamos saber ou controlar. Portanto, os
pais e mães de pacientes afetadas pela síndrome de Rett, assim como pais de
pacientes afetados por qualquer doença de origem genética, JAMAIS DEVEM SE
SENTIR CULPADOS.
Uma ponta de grande esperança
Em
23 de fevereiro de 2007 foi publicado um artigo considerado um dos marcos
recentes na pesquisa sobre a síndrome de Rett. O artigo relata os resultados da
pesquisa chefiada pelo Dr. Adrian Bird, que demonstrou que os sintomas da
síndrome de Rett são reversíveis em camundongos. O trabalho consistiu,
resumidamente, no uso de uma linhagem de camundongos geneticamente modificada,
que teve um trecho de DNA introduzido na região do gene MECP2, o qual teve sua
expressão bloqueada, e por consequência os animais apresentavam sintomas da
síndrome de Rett. A remoção deste trecho de DNA foi induzida quando os animais
receberam injeções de uma droga chamada tamoxifeno e
após algumas semanas eles deixaram de apresentar os sintomas.
Estes
resultados causaram grande furor entre os pais de pacientes, pois muitos
pensaram que havia sido descoberta uma droga para curar a doença. Na verdade, o tamoxifeno fez
parte do protocolo experimental do estudo e não é uma cura.
Assim, o que
este trabalho evidenciou foi a reversibilidade dos sintomas da doença em
modelos animais. Este foi um estudo preliminar e por isso requer
aprofundamento. Até chegar às pesquisas com pacientes será uma longa caminhada.
Apesar disso, os resultados obtidos pelo grupo de pesquisa indicam que há uma
esperança para o desenvolvimento de terapias que possam restabelecer algumas
das habilidades das pacientes e, talvez, levar à cura da síndrome de Rett.
Como lidar com essas
crianças na escola?
É preciso criar estratégias para que as meninas com Síndrome de Rett possam
aprender. O principal é estabelecer sistemas de comunicação que ajudem a
criança - como placas com desenhos e palavras, para que ela possa indicar o que
deseja.
A escola deve ser um espaço acessível, já
que muitas crianças com essa síndrome necessitam de equipamentos para caminhar.
Respeite o tempo de aprendizagem de cada
criança e conte com a ajuda do Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Faça ajustes nas atividades sempre que necessário e procure apresentar os
conteúdos de maneira bem visual, para facilitar a compreensão.
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